📜 PARASHAT VAYISHLACH — O RETORNO, A LUTA E A IDENTIDADE DE ISRAEL
(Bereshit/Gênesis 32:4–36:43)
Parashat Vayishlach é a narrativa do retorno — não apenas geográfico, mas existencial — de Yaakov à Terra de seus pais e ao papel que o Eterno lhe designou. Após vinte anos servindo Lavan, Yaakov precisa enfrentar aquilo que havia deixado para trás: Esav, o conflito, o medo, o passado, e a si mesmo.
Aqui, Yaakov deixa de ser apenas indivíduo — e se torna Israel, o pai da nação. Mas essa transformação não acontece numa conversa tranquila: ela nasce do conflito, da tensão espiritual, da luta na escuridão.
1. O RETORNO DE YAAKOV: ENTRE O MEDO E A PROMESSA (Bereshit/Gênesis 32:4–22)
A porção começa com Yaakov enviando mensageiros a Esav. Ele teme a vingança do irmão, mas age com:
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prudência (divide o acampamento),
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diplomacia (envia presentes),
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fé (ora ao Eterno),
-
e estratégia (prepara defesa).
Yaakov amadureceu. O jovem fugidio de Vayetzê agora é um chefe de família, responsável por uma grande comunidade.
Mas o passado ainda o persegue.
Segundo Rashi e Bereshit Rabbah, as ações de Yaakov refletem a tensão entre:
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o medo humano,
-
a confiança na promessa divina,
-
e o dever de proteger sua casa.
2. A NOITE DA LUTA — O HOMEM, O ANJO E O NOME
(Bereshit/Gênesis 32:23–33)
Então chega a noite mais misteriosa da vida de Yaakov.
“E Yaakov ficou só; e lutou com ele um homem, até o amanhecer.” (32:25)
O texto alterna entre “homem” e “Elohim”, até que o profeta Oséias resolve a tensão:
“Ele lutou com um malach, e prevaleceu.” (Os 12:4–5)
Segundo a Torah e o Midrash, o anjo age como shaliach, um representante que carrega a autoridade de D’us.
No hebraico bíblico, quem carrega o Nome pode ser descrito como se fosse o próprio remetente (Êx 23:20–21).
Por isso Yaakov diz:
“Vi Elohim face a face”,
embora tenha lutado com o mensageiro.
Essa noite representa:
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o confronto de Yaakov com seu destino,
-
a quebra de sua autodefesa,
-
e a revelação de sua verdadeira força.
Ele sai mancando, mas sai abençoado.
Ele perde algo, mas ganha identidade.
O anjo declara:
“Não será mais dito teu nome Yaakov, mas sim Israel, pois prevaleceste diante de Elohim e dos homens.” (32:29)
3. POR QUE O NOME É REPETIDO? O SEGREDO DO VOTO EM BEIT-EL
A mudança de nome ocorre duas vezes:
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Pelo anjo (32:29)
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Pelo próprio D’us, mais tarde, em Beit-El (35:10)
Os sábios perguntam: Por que repetir?
R. Hirsch explica:
O anjo não muda oficialmente o nome — apenas revela o significado espiritual.
A mudança real só acontece quando Yaakov cumpre seu voto em Beit-El.
E é aí que está a chave.
Quando Yaakov fugiu em Vayetzê, D’us prometeu:
“Eu te farei voltar a esta terra.”
Mas Yaakov respondeu com um voto pessoal:
“Se eu voltar em paz à casa de meu pai, então o Eterno será meu D’us.”
Há uma diferença profunda:
-
D’us fala de missão nacional: a terra da promessa.
-
Yaakov fala de drama familiar: a casa do pai.
O coração de Yaakov ainda estava preso a Essav, ao passado, ao medo.
Seu voto revelava mais sua dor do que seu destino.
Por isso — dizem Rashi, Ramban e Midrash Tanchuma — todas as provações de Vaishlach, incluindo:
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o medo de Essav,
-
a luta com o anjo,
-
o episódio de Dinah,
-
a morte de Rachel,
foram mensagens de D’us, chamando Yaakov de volta à missão maior.
Somente quando Yaakov finalmente sobe a Beit-El, remove os ídolos, constrói o altar e cumpre seu voto, D’us confirma oficialmente:
“Teu nome é Yaakov… mas Israel será teu nome.” (35:10)
Ali Yaakov deixa de agir somente como indivíduo, e assume plenamente sua identidade como o pai da nação.
4. O ENCONTRO COM ESAV — O PERDÃO QUE QUEBRA O MEDO (Bereshit 33:1–17)
Quando Yaakov finalmente encontra Esav, a tensão acumulada se dissolve:
“E correram, e se abraçaram, e choraram.” (33:4)
Este é um dos momentos mais humanos de toda a Torá.
A ameaça vira abraço.
O medo vira reconciliação.
A violência esperada se transforma em paz.
Os comentaristas explicam:
Yaakov lutou com o anjo para não precisar lutar com o irmão.
A transformação espiritual precede a reconciliação humana.
5. O EPISÓDIO DE DINAH — ENTRE HONRA E PRUDÊNCIA (Bereshit/Gênesis 34)
Dinah é violentada em Shequém.
Hamor tenta negociar paz.
Shimon e Levi enganam os homens da cidade, exigindo circuncisão, e depois matam todos.
Yaakov repreende os filhos:
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não por defenderem a honra,
-
mas por comprometerem a missão nacional.
Aqui a Torá mostra o contraste entre:
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zelo impulsivo,
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justiça humana,
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e proteção da promessa divina.
6. BEIT-EL: PUREZA, ALIANÇA E DOR (Bereshit 35:1–15)
Ao retornar a Beit-El, Yaakov:
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remove ídolos,
-
purifica sua casa,
-
constrói um altar,
-
cumpre seu voto.
Aqui ocorre:
-
a repetição do nome Israel,
-
a renovação da aliança,
-
e a revelação divina sobre seu destino nacional.
Logo após, acontece o momento mais doloroso:
Rachel morre no parto de Binyamin.
Yaakov ergue um monumento e segue adiante mancando, mas firme — como Israel.
7. A LINGUAGEM DO “ANJO QUE CARREGA O NOME”
Toda a teologia de Vaishlach depende de um princípio bíblico:
Um mensageiro enviado por D’us pode ser chamado pelo nome de D’us (Êx 23:20–21).
Isso é o conceito de shaliach, central no judaísmo:
“O enviado de alguém é como a própria pessoa.” (Kiddushin 2:1)
Por isso:
-
Yaakov lutou com um anjo,
-
mas o texto o descreve como “lutou com Elohim”.
-
Yaakov viu um mensageiro,
-
mas disse “vi D’us”.
A linguagem expressa experiência e autoridade, não a essência ontológica do mensageiro.
Assim:
Israel = aquele que prevalece diante da autoridade divina e humana.
8. PROSKYNÉŌ: PROSTRAR NÃO SIGNIFICA ADORAR
O texto bíblico usa “prostrar-se” em vários sentidos:
-
respeito humano (Yaakov a Esav, irmãos de Yosef a Yosef),
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deferência cultural,
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saudação social,
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submissão,
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e adoração divina.
O mesmo verbo aparece na Septuaginta (proskynéō) e no grego da Brit Hadashá — podendo significar honra, não adoração divina.
Isso explica:
-
pessoas se prostrando diante de autoridade humana,
-
ou diante de Yeshua como Messias enviado e ungido,
-
sem confusão ontológica com o Criador.
O uso bíblico sempre distingue:
-
HáShem = adoração
-
mensageiros/ungidos = reverência
Yeshua confirma isso:
“Ao Senhor teu D’us adorarás, e só a Ele servirás.” (Mt 4:10)
E também:
“Meu Pai e vosso Pai, Meu D’us e vosso D’us.” (Jo 20:17)
Assim a Escritura preserva:
-
a autoridade de Yeshua como Mashiach enviado,
-
e a unicidade absoluta do Eterno.
9. VAISHLACH NA PROFECIA E NA MESSIANICIDADE
A Haftarah (Obadias 1) fala do juízo sobre Esav/Edom — tema ligado ao reencontro de Yaakov.
A Brit Hadashá ecoa:
-
o retorno,
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a identidade,
-
o julgamento,
-
e o papel do enviado ungido (“D’us estava com Ele”, At 10:38–43).
Yeshua confirma a identidade do Mashiach (Jo 4:21–26)
e a centralidade da adoração ao Pai (Jo 17:3).
A mensagem é:
A redenção vem pelos descendentes de Israel (Obadias 1:21)
e pelos que crêem no Enviado do Pai.
🌟 CONCLUSÃO — VAYISHLACH É A PARASHÁ DA IDENTIDADE
Nesta porção, Yaakov:
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enfrenta seu passado,
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luta com o mensageiro,
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recebe um novo nome,
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reconcilia-se com Esav,
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perde Rachel,
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cumpre seu voto,
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e renova sua missão.
Ele deixa de ser apenas Yaakov, o homem que segura o calcanhar,
e se torna Israel, aquele que prevalece.
Vayishlach nos ensina que:
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antes de enfrentar o mundo,
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enfrentamos a nós mesmos;
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antes de receber um novo nome,
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temos que abandonar o velho destino;
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antes de liderar uma nação,
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temos que purificar nossa casa;
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e antes de subir, temos que mancar um pouco.
Assim nasce Israel.
PARASHAT VAYÊSHEV — O JUSTO QUE DESCE PARA SUBIR
Bereshit / Gênesis 37:1–40:23
“E Jacó habitou (וַיֵּשֶׁב – Vayêshev) na terra das peregrinações de seu pai, na terra de Canaã.”
Com essa frase aparentemente simples, a Torá inaugura uma das narrativas mais profundas de toda a Escritura: a descida de Yosef, o justo, ao exílio — caminho necessário para a redenção futura.
A palavra Vayêshev, “sentou-se” ou “habitou”, carrega uma tensão espiritual. Segundo os sábios, Jacó desejava finalmente repousar, após anos de fuga, luta e instabilidade. Porém, ensina o Midrash, quando os justos buscam repouso neste mundo, o Eterno lhes apresenta novos desafios, pois o descanso pleno pertence apenas ao Mundo Vindouro. É precisamente nesse momento de aparente estabilidade que começa o drama de Yosef.
A Torá, de forma surpreendente, passa a tratar a descendência de Jacó não pelo primogênito, mas por Yosef, o filho de Raquel. Isso já sinaliza que o foco não será apenas genealógico, mas redentivo. Jacó ama Yosef de modo visível, presenteando-o com uma túnica especial. A tradição debate se era uma túnica de muitas cores ou uma túnica longa e distinta; em ambos os casos, o símbolo é claro: distinção gera inveja quando não é acompanhada de sabedoria.
O ódio dos irmãos não nasce apenas do favoritismo paterno, mas também da missão espiritual que Yosef carrega sem ainda saber comunicá-la. Seus sonhos proféticos — os feixes que se inclinam e os luminares celestes que se curvam — não são fantasias juvenis. A Torá deixa claro que Jacó “guardava essas palavras”, discernindo nelas um Siman Sod, um sinal oculto do futuro. Os irmãos odeiam Yosef; Jacó, porém, espera.
O plano de matar Yosef é interrompido, primeiro por Reuven e depois por Yehudá. Este último propõe a venda por vinte moedas de prata. Aqui, os sábios enxergam um eco profético profundo: Yosef é rejeitado por seus próprios irmãos, entregue aos gentios e dado como morto — mas, na verdade, está sendo preparado para se tornar salvador. A tradição judaica e a leitura messiânica reconhecem nesse padrão uma antecipação do Mashiach ben Yosef, o justo sofredor.
A narrativa então faz uma pausa abrupta e aparentemente desconexa: Judá e Tamar. Contudo, nada na Torá é acidental. Enquanto Yosef desce ao Egito, Judá desce moralmente. Tamar, agindo dentro da justiça da Torá (Yibum), força Judá a confrontar sua responsabilidade. Deste encontro nascem Peretz e Zerach.
Zerach surge primeiro, com a mão marcada por um fio escarlate — símbolo de sangue, sacrifício e redenção. Peretz, porém, rompe a ordem natural e nasce primeiro. Os comentaristas veem aqui um mistério profundo: a redenção vem por meio da ruptura. A linhagem messiânica não segue caminhos previsíveis; ela avança por meio de quedas, escândalos aparentes e intervenções divinas ocultas. De Peretz virá David; de David, o Mashiach.
Enquanto isso, Yosef prospera na casa de Potifar. Mesmo como escravo, “o Eterno estava com Yosef”. Diante da tentação, ele escolhe fugir, declarando:
“Como cometeria eu tamanha maldade e pecaria contra Deus?”
Aqui se revela a essência do justo: fidelidade quando ninguém vê.
A falsa acusação o lança à prisão — o ponto mais baixo de sua descida. Porém, ensina o Zohar: o poço de Yosef não é um fim, mas um útero. É ali que sua vocação profética amadurece.
Na prisão, Yosef encontra dois oficiais do Faraó e interpreta seus sonhos. Aqui emerge o conceito de Pitaron — interpretação que brota de dentro do próprio sonho. Segundo Rabino Samson Raphael Hirsch, Pitaron vem de Petach, abertura. Yosef não usa símbolos externos; ele lê o sonho à luz da realidade, da profissão e do tempo. Ele percebe que o número três se conecta ao aniversário do Faraó, dia conhecido por execuções e absolvições.
A distinção entre os sonhos é sutil e precisa:
O copeiro age, processa, serve. O padeiro é passivo; sua obra é consumida por outros. Vida e morte já estavam inscritos nos próprios sonhos.
Mas o verdadeiro ponto de virada não está na interpretação — está na compaixão. Yosef pergunta: “Por que estais tristes hoje?” O Rebe de Lubavitch ensina que foi esse ato de empatia, em meio à própria dor, que abriu o caminho para sua futura redenção. Assim como Jó foi restaurado ao orar por seus amigos, Yosef começa a sair da prisão quando se volta ao outro.
O pedido ao copeiro para lembrá-lo gera debate entre os sábios. Alguns veem ali uma falha de confiança; outros, um esforço legítimo dentro da Providência Divina. Seja como for, o esquecimento de dois anos não é punição arbitrária, mas sincronização divina. Yosef só sairia da prisão quando o mundo estivesse pronto para recebê-lo.
A Parashá termina no silêncio da espera. Mas o silêncio de Deus nunca é ausência — é preparação.
Vayêshev nos ensina:
O justo pode descer ao poço, à prisão e ao esquecimento — mas jamais fora do plano do Eterno.
Quem desce com fidelidade, sobe com autoridade.
E a redenção nasce, quase sempre, onde ninguém está olhando.
Ein Sof — O Infinito na Cabalá
1) Definição rápida
Ein Sof (אֵין סוֹף) significa literalmente “Sem Fim”, “O Infinito”. Na linguagem cabalística designa a Realidade Divina em sua pureza absoluta — o aspecto de Deus que é completamente além de qualquer limitação, definição, nome ou conceito humano. Ein Sof é a fonte que não é composta nem alterada; é transcendente a tempo, forma, ação e atributos.
2) Por que dizer que Ein Sof “não pensa” nem “sente”?
Na Cabalá clássica e na teologia racional judaica há duas formas de expressar a mesma ideia: quando se afirma que Ein Sof “não pensa” ou “não sente”, não se nega a existência da vontade, consciência ou providência divina; o que se quer dizer é que os termos humanos (pensar, sentir, vontade) são inadequados para descrever a realidade última. Duas linhas de argumento:
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Teologia negativa / apofática — presente em Maimônides e retomada pela Cabalá: atribuir a Deus ações ou estados humanos (pensar, sentir, mudar) implica limitação e temporalidade. Pensar pressupõe processo (antes/depois), e tempo não se aplica a Ein Sof. Portanto, falar “Deus pensa” é metáfora para nossa linguagem finita. (Ver: Guide for the Perplexed — abordagem da teologia negativa; ver também as discussões sobre antropomorfismos na obra do Rambam.)
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Estrutura metafísica da Cabalá — Ein Sof é a fonte sem diferenciação; a dinâmica que conhecemos (vontade, conhecimento, ação) surge após a primeira manifestação através das Sefirot. Chamá-lo de “pensante” seria projetar sobre a fonte o que já aparece apenas nas formas emanadas. Em termos lurianos, antes do Tzimtzum não há atributos diferenciados; “pensar” e “sentir” pertencem ao mundo das emanações (Sefirot), não à pleníssima transcendência absoluta. (Ver: Etz Chaim — ensinamentos do Ari, transmitidos por Chaim Vital.)
3) Fontes clássicas e tradições
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Sefer Yetzirah e Sefer HaBahir — textos antigos que contêm noções proto-cabala sobre a linguagem divina, letras, e processo criador. Não usam o termo “Ein Sof” da forma lúcida posterior, mas formulam a ideia de um princípio originário e transcendente.
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Zohar (tradicionalmente atribuído a Rabi Shimon bar Yochai / compilado por Rabi Moshe de León): trata extensamente da transcendência divina e das Sefirot. O Zohar distingue entre a essência escondida de Deus e as manifestações que falam com o mundo.
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As escolas medievais da Cabalá: Moses de León (Zohar), Ramban (R. Moshe ben Nachman — comentários que influenciaram a mística), e depois Rabbi Moshe Cordovero (Pardes Rimonim) e o ARI — Rabi Yitzchak Luria (cujas ideias são registradas por Chaim Vital em Etz Chaim) que sistematizaram conceitos como Ein Sof, Tzimtzum e as emanações.
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Maimônides (Rambam): embora não “cabala” no sentido místico, sua teologia negativa é central para entender por que os mestres místicos insistem que a linguagem humana é inadequada para Ein Sof (ver Guide for the Perplexed).
4) Como a Cabalá resolve o problema (resumo técnico)
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Ein Sof = essência ilimitada, sem atributos.
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Para que algo “seja” distinto do Infinito, é preciso um processo: Tzimtzum (a retração/contração — tema seguinte que você pediu estudar) cria “espaço” para manifestação. A partir daí surgem emanações (Sefirot), através das quais o Uno se relaciona com o mundo sem ser reduzido.
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Assim, pensar/querer/agir aparecem como categorias aplicáveis às Sefirot e não ao Ein Sof em sua essência absoluta.
5) Diferença com a compreensão cristã (observação breve)
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A teologia cristã tradicional atribui à Pessoa divina (Deus) atividades como pensamento, vontade e afeto de modo que essas descrições não conflitam com a Imago Dei. Na Cabalá, o cuidado é evitar qualquer linguagem que empurre a divindade para a finitude: a ênfase é epistemológica — nós, seres finitos, só podemos falar por metáforas. A experiência mística judaica preserva a transcendência absoluta e, simultaneamente, descreve modos pelos quais o Infinito se revela em relações pessoais e históricas (através das Sefirot, da Torá, da Providência). Ambos os lados falam de ação divina; a diferença está na cautela contra projeção antropomórfica.
6) Implicações práticas e espirituais
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Reverência teológica: reconhecer limites da linguagem protege contra idolatria de ideias.
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Vida religiosa: a ideia de Ein Sof convida ao reconhecimento de que a busca espiritual é encontro com algo inefável; práticas (Torá, mitzvot, tefilá) são meios de conexão com as manifestações divinas, não de “comprimir” Ein Sof.
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Para seus vídeos: Ein Sof funciona bem como porta de entrada (curta frase de impacto) — ex.: “Antes do tempo, antes do pensamento — havia o Infinito.” Depois explicar Tzimtzum e as Sefirot.
7) Leituras recomendadas (priorize estas)
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Zohar — edição e traduções (Soncino/Zohar: seleções).
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Sefer HaBahir (trad. e comentários).
-
Etz Chaim (ensinos do ARI via Chaim Vital) — para Lurianismo (difícil, mas central).
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Pardes Rimonim — R. Moshe Cordovero (sistematização pré-Luriana).
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Guide for the Perplexed — Maimônides (p/ noção de teologia negativa).
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Bons estudos introdutórios em inglês/português: obras de Gershom Scholem (história da Cabalá) e Daniel Matt (introduções ao Zohar).
8) Aviso pastoral/epistêmico
A Cabalá é um campo profundo, simbólico e historicamente complexo. Ensinos como Ein Sof são intrincados e têm camadas (teológicas, filosóficas, místicas). É é sábio ir devagar, validar com mestres e não publicar proclamações teológicas definitivas sem supervisão rabínica.
ADAM KADMON — O HOMEM PRIMORDIAL
O Arquétipo da Criação e o Fundamento do Tzelem Elohim
Na tradição cabalística judaica, Adam Kadmon não é um ser humano histórico, nem um indivíduo com forma física. Trata-se do primeiro arranjo ordenado da luz divina após o Tzimtzum, o Homem Primordial, que funciona como arquétipo espiritual de toda a criação. Ele representa a primeira estrutura inteligível por meio da qual o Ein Sof — o Infinito — passa a se manifestar sem se revelar diretamente.
Antes de qualquer mundo, antes de qualquer separação entre espiritual e material, a Cabalá ensina que a luz infinita do Criador preenche tudo indistintamente. Para que a criação pudesse existir, foi necessário um processo de ocultamento (Tzimtzum), no qual o Ein Sof “retira” Sua manifestação revelada, criando um espaço conceitual onde algo distinto possa emergir. Nesse espaço, a primeira configuração ordenada da luz é chamada Adam Kadmon.
Adam Kadmon não é Deus, nem uma parte da essência divina. Ele é uma emanação, um arranjo funcional da luz, totalmente submisso à vontade do Criador. Não possui livre-arbítrio, não decide, não cria por iniciativa própria. Tudo o que nele ocorre é expressão direta da vontade do Ein Sof. Por isso, a tradição não o descreve como um “indivíduo”, mas como uma estrutura viva, uma totalidade coerente que contém, em potencial, todos os mundos e todas as formas que viriam a existir.
A Torá alude a esse conceito quando afirma:
“Façamos o homem à nossa imagem (betsalmenu) e conforme a nossa semelhança (kidmoteinu)” (Bereshit 1:26).
Na leitura cabalística, Tzelem (imagem) não se refere à aparência física, mas a uma configuração espiritual. O ser humano foi criado segundo o modelo do Adam Kadmon. Isso significa que o homem carrega, em sua estrutura interior, um reflexo fragmentado e reduzido do arquétipo primordial. Adam Kadmon é o Tzelem Elohim em estado absoluto; o homem é o Tzelem Elohim em estado potencial e incompleto.
Dentro de Adam Kadmon encontram-se as Sefirot — não como entidades separadas, mas como um sistema perfeitamente integrado. Keter, Chochmah, Binah, Chesed, Gevurah, Tiferet, Netzach, Hod, Yesod e Malchut operam em absoluta harmonia, sem conflito, sem ruptura, sem desequilíbrio. Por essa razão, Adam Kadmon é descrito como uma unidade viva, um “corpo cósmico” no qual cada atributo divino encontra seu lugar correto.
A partir desse arquétipo, desenvolvem-se os mundos espirituais: Atzilut, Beriah, Yetzirah e Assiah. Cada mundo representa um nível progressivo de ocultamento da luz e de fragmentação da unidade original. O mundo material não é uma negação do espiritual, mas seu estágio mais denso e oculto. O ser humano nasce nesse nível mais baixo, mas traz dentro de si a estrutura completa do Tzelem, o que o torna capaz de ascender espiritualmente.
A diferença fundamental entre Adam Kadmon e o homem está na liberdade. Adam Kadmon expressa a vontade divina de forma automática e perfeita. O homem, por outro lado, possui escolha. Suas faculdades — intelecto, emoção e ação — podem entrar em desalinhamento. É exatamente esse espaço de tensão que torna possível a relação, o arrependimento (Teshuvá) e a reparação (Tikkun).
Segundo o Zohar, a finalidade da criação não é produzir seres perfeitos, mas seres capazes de retornar. Onde não há escolha, não há retorno. Onde não há retorno, não há relacionamento. O homem não foi criado para substituir Adam Kadmon, mas para, a partir de sua condição fragmentada, reconstruir o alinhamento do Tzelem, devolvendo harmonia às camadas da criação.
A Torá, nesse contexto, não é apenas um conjunto de mandamentos externos. Ela funciona como o instrumento de realinhamento do Tzelem, reconectando o ser humano à estrutura espiritual que lhe deu origem. Cada mandamento, cada ensinamento, atua como um ajuste fino entre as faculdades humanas e o padrão primordial representado por Adam Kadmon.
Assim, Adam Kadmon, os mundos espirituais e o ser humano não são temas separados, mas partes de um mesmo processo. Adam Kadmon é o modelo; os mundos são os níveis de manifestação; o homem é o ponto onde a correção pode acontecer. Toda a história espiritual da humanidade gira em torno dessa dinâmica: da unidade à fragmentação, e da fragmentação ao retorno consciente à ordem original.
AS SEFIROT EM ADAM KADMON — UNIDADE ANTES DA FRAGMENTAÇÃO
1. O que são as Sefirot, em essência?
Na Cabalá clássica, as Sefirot não são:
-
deuses;
-
entidades independentes;
-
forças autônomas.
As Sefirot são:
modos de revelação da Luz do Ein Sof dentro de um sistema ordenado
Elas descrevem como o Infinito se relaciona com o finito, sem jamais deixar de ser Um.
📚 Fontes
-
Sefer Yetzirá 1:1–3
-
Zohar I, 15a
-
Ramchal, Da’at Tevunot
2. As Sefirot não “nascem” nos mundos inferiores
Um erro comum é imaginar que as Sefirot surgem apenas em Atzilut ou abaixo.
Na verdade:
-
a raiz das Sefirot está em Adam Kadmon;
-
o que muda ao longo dos mundos é o grau de ocultação, não a essência.
📚
-
Etz Chaim, Shaar Adam Kadmon
-
Zohar II, 42b
3. As Sefirot em Adam Kadmon são absolutamente unificadas
Em Adam Kadmon:
-
não há separação entre Chesed e Gevurah;
-
não existe oposição entre misericórdia e rigor;
-
não há tensão entre dar e conter.
Tudo está:
fundido em perfeita harmonia
Isso é chamado pelos cabalistas de:
-
Achdut Peshutá (Unidade Simples)
📚
-
Ramchal, Klach Pitchei Chochmah, Petach 30
-
Zohar III, 257b
4. Por que ainda chamá-las de “dez” se são uma?
A linguagem das “dez Sefirot” não indica multiplicidade real, mas distinções funcionais dentro da unidade.
Assim como:
-
uma única mente pode pensar, desejar, decidir e expressar;
assim:
-
uma única Luz pode revelar-se em múltiplas funções.
📚
-
Sefer HaBahir §3–5
-
Tanya, Shaar HaYichud VehaEmunah
5. As Sefirot como “potenciais”, não como operações
Em Adam Kadmon:
-
as Sefirot não atuam;
-
elas existem como potenciais absolutos.
Não há:
-
julgamento aplicado;
-
misericórdia direcionada;
-
criação concreta.
Há apenas:
capacidade pura, ainda não exercida
📚
-
Etz Chaim, Shaar 2
-
Ramchal, Adir BaMarom
6. O “corpo” de Adam Kadmon
Os cabalistas falam do:
-
“corpo” de Adam Kadmon;
-
“órgãos” espirituais;
-
“estrutura”.
Isso não significa forma física, mas:
-
um mapa de relações entre as Sefirot;
-
uma arquitetura da revelação.
📚
-
Zohar I, 20b
-
Tikunei Zohar, Tikun 70
7. Por que ainda não há falha nem quebra?
Porque:
-
não há autonomia;
-
não há recepção independente;
-
não há ego espiritual.
Enquanto a Luz flui sem resistência, não há colapso.
📚
-
Etz Chaim, Shaar HaShevirah (introdução)
-
Ramchal, Da’at Tevunot §58
8. Adam Kadmon como modelo de Tzelem Elohim
Aqui está a conexão silenciosa, mas fundamental:
O Tzelem Elohim no homem é:
-
uma miniatura funcional dessa estrutura unificada;
-
uma imagem potencial de Adam Kadmon em forma humana.
📚
-
Bereshit 1:26
-
Zohar I, 47a
-
Rashi sobre Bereshit 1:26
(Esse ponto será aprofundado na próxima seção.)
9. Resumo:
-
As Sefirot existem primeiro em Adam Kadmon
-
Ali são absolutamente unificadas
-
Não há conflito, juízo ou falha
-
Funcionam como potenciais, não como ações
-
São o modelo da imagem divina no homem
O QUE É GRAÇA?
Hoje falaremos sobre um dos temas mais distorcidos da fé bíblica:
a relação entre Lei e Graça.
Durante séculos, repetiu-se a ideia de que a Torá teria sido válida apenas até a vinda do Messias…
e que, com Ele, teria começado um novo tempo sem mandamentos, sem disciplina, sem instrução.
Mas será isso verdade?
Será que o Deus que é imutável mudaria a Sua vontade?
Para entender, precisamos voltar ao início — ao Éden.
Antes mesmo de Israel existir, antes de haver Sinai, antes de haver pecado…
o Criador já havia colocado dentro do homem a consciência do bem e do mal.
Essa consciência é o embrião da Torá.
E quando Adão transgride, Deus estabelece o primeiro movimento de graça: a expiação.
A vida inocente cobre a vida culpada, e o homem continua vivo.
A partir dali surge o sistema sacrificial que acompanharia Abel, Noé, Avraham… muito antes de existir um “judaísmo”.
Com o passar dos séculos, Deus estabelece sacerdotes, tabernáculo, ofertas e instruções.
Mas a Torá nunca foi somente sacrifício:
ela é moralidade, justiça, ordenanças, princípios eternos.
Nada disso é transitório em sua essência.
O que era transitório… era o coração humano, incapaz de viver à altura da vontade divina.
E é nesse ponto que o Messias entra na história.
Yeshua não veio abolir a Torá — Ele mesmo disse isso com todas as letras.
Ele veio cumpri-la, levá-la ao seu significado mais pleno.
Ele não rasgou a Lei…
Ele rasgou o véu que nos impedia de vivê-la.
O que Ele substituiu não foi a Torá,
mas o mecanismo sacrificial — levando-o ao seu ápice, ao seu cumprimento definitivo.
No pensamento judaico antigo, a morte de um justo tem poder expiatório sobre uma geração.
Quanto mais a morte do Justo dos justos… cuja vida não tinha mácula.
Pela sua entrega, a Nova Aliança é estabelecida — não para abolir os mandamentos,
mas para escrevê-los dentro do coração humano,
como anunciaram Jeremias e Ezequiel.
A Graça, portanto, não é permissão para desobedecer.
A Graça é poder para obedecer.
A Torá mostra o caminho;
a Graça fortalece as pernas para andar.
Por isso o Shabat continua sendo Shabat.
Por isso as instruções morais continuam válidas.
Por isso Yeshua disse:
“Se Me amais, guardareis os Meus mandamentos.”
Estamos vivendo dias de restauração — dias em que muitas pessoas estão despertando para a fé bíblica original, para os caminhos antigos, para a raiz hebraica da fé em Yeshua.
E tal como na parábola das dez virgens, nem todas tinham azeite…
mas todas ouviram o anúncio:
“Aí vem o Noivo!”
O que falta agora é Teshuvá.
Não aquela culpa estéril…
mas o retorno ao Pai, o retorno à Sua Palavra, o retorno à obediência amorosa.
O Eterno está chamando.
Ele está despertando corações.
Ele está preparando um povo.
Que encontremos graça —
não para abandonar a Torá,
mas para vivê-la com um coração renovado pelo Espírito da Verdade.
Shalom.
FONTES:
https://www.youtube.com/@rabinoyossefbaruch
https://www.youtube.com/@beitmiklattampa-fl1404
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PARASHAT TOLDOT
A Parashá (ou Porção Bíblica) Toldot (ou Gerações) é a sexta porção do ciclo anual da Torá. A porção bíblica está em Gênesis 25:19 ao capítulo 28:9. Ela descreve a continuidade da linhagem de Avraham através de Isaque e Rebeca, culminando no nascimento dos gêmeos Esaú e Yaakov, dois irmãos tão diferentes física, emocional e espiritualmente, cuja rivalidade moldará a história futura de seus descendentes. A narrativa aborda a esterilidade de Isaque e Rebeca, e a oração que ambos elevam ao Eterno, resulta no nascimento dos gêmeos. Quando Yaakov adquire de Esaú o direito de primogenitura, vemos que a herança espiritual exige discernimento, responsabilidade e visão. Também encontramos o episódio dos poços de Isaque em Gerar, que demonstram sua resiliência e firmeza até que Avimeleh reconhece que ele é abençoado por Deus. No final da parashá, Rebeca intervém para garantir que a bênção destinada a Yaakov, o filho escolhido, seja cumprida, revelando que a promessa divina sobrepõe-se às circunstâncias humanas.
A rivalidade entre Yaakov e Esaú é central. Eles disputam a primogenitura e a bênção, dois elementos que carregam enorme peso espiritual. O primeiro episódio é o famoso episódio da lentilha: Esaú retorna do campo exausto e pede a Yaakov para comer. Yaakov condiciona o prato ao direito de primogenitura. Esaú despreza o valor espiritual deste direito e o vende. Surge então a pergunta: o que exatamente é o direito de primogenitura? É algo que pode ser vendido? E Yaakov estaria se aproveitando da fraqueza do irmão?
O termo hebraico para primogenitura (behorá) aparece principalmente no contexto de herança. De acordo com a Torá (Deuteronômio 21:17), o primogênito recebe porção dupla dos bens do pai. Ibn Ezra explica que Esaú, como caçador, vivia constantemente em risco de morrer antes de seu pai e, por isso, não valorizava a herança futura. Yaakov, segundo esse entendimento, não estava apenas “comprando um título”, mas fazendo um acordo lógico com alguém que não se via vivendo para usufruí-lo.
Rashbam, seguindo essa linha, afirma que Yaakov pagou com dinheiro verdadeiro, e o guisado foi apenas o contexto emocional que expôs a fragilidade da vida de Esaú, fazendo-o refletir sobre o futuro. Quando mais tarde Esaú se arrepende, dizendo que foi enganado duas vezes, os comentaristas afirmam que isso revela sua inconsistência: primeiro rejeita a primogenitura; depois se queixa de tê-la perdido.
Rashi apresenta outra abordagem: a primogenitura não diz respeito à herança material, mas ao serviço sacerdotal. Antes da nomeação da tribo de Levi, os primogênitos eram responsáveis pelos sacrifícios familiares. Yaakov desejava esse serviço sagrado; Esaú o desprezava, afirmando que tal responsabilidade poderia levá-lo à morte — o que demonstra seu desprezo pela vida espiritual. Assim, Yaakov buscava assumir um papel de santidade; Esaú, rejeitando esse dever, mostrava não estar apto ao legado espiritual de Avraham.
Uma terceira abordagem afirma que a primogenitura representa liderança e continuidade do legado da família. Ramban explica que, originalmente, o primogênito assumia o lugar do pai como chefe da família. Abarbanel acrescenta que Yaakov estava preocupado com quem herdaria o pacto de Avraham — não bens materiais, mas o destino espiritual e missionário de ser a família que levaria a justiça divina ao mundo. Esaú demonstrava pouco interesse pela tradição espiritual da família, enquanto Yaakov era diligente e fiel. Era, portanto, essencial que apenas um deles herdasse essa missão.
Shadal observa um detalhe adicional: Yaakov cozinhar indica seu envolvimento com as necessidades da casa, enquanto Esav, passava o dia no campo, pouco contribuindo para o sustento da família. Além disso, Yaakov jamais usa o título de primogênito perante Isaque. Isso demonstra que seu objetivo não era tomar a posição de Esaú à força, mas garantir que, no futuro, Esaú não o expulsasse da terra e do legado espiritual que Avraham havia recebido do Eterno.
O livro de Gênesis reforça que o primogênito físico raramente é o escolhido espiritual: Abel em vez de Caim; Isaque em vez de Yishmael; Yaakov em vez de Esaú; Yosef e Yehudá em lugar de Ruben; Efraim em lugar de Menashé. A Torá nos ensina que o mérito espiritual não está na ordem de nascimento, mas nas ações, no caráter, na pureza de coração e no temor ao Eterno.
A mensagem final de Toldot é clara: a bênção é transmitida não por favoritismo ou acaso, mas por alinhamento espiritual. Aquele que ama o caminho de Deus, valoriza a tradição e busca viver os mandamentos com integridade é o verdadeiro herdeiro do pacto de Avraham. A história não é sobre trapaça ou rivalidade humana, mas sobre propósito divino e preparo espiritual.
Shalom para todos!
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O MESSIAS É O CÓDIGO-FONTE DA CRIAÇÃO?
A Revelação Oculta da Torá e do Messias
O Messias, o Adam Kadmon, não veio trazer uma religião.
Veio restaurar o programa original da humanidade.
Shalom, eu sou Bendavid Bentz e hoje quero compartilhar um pouco do que tenho aprendido sobre a Palavra de Deus.
No imaginário comum, muitos acreditam que a Torá começou no Sinai (um conjunto de leis entregues a Moisés).
Mas essa visão reduz drasticamente sua profundidade.
Os sábios dizem: “Deus olhou para a Torá e criou o mundo.”
E eles não estão falando de leis cerimoniais.
Estão falando do código-fonte da realidade.
Assim como todo software existe primeiro como lógica, estrutura e instrução…
A Torá é o programa primordial, o davar, a Palavra, o Verbo Eterno através do qual tudo foi chamado à existência.
● Antes da luz, havia a Torá.
● Antes do espaço, havia a Torá.
● Antes do tempo, havia a Torá.
● E tudo permanece sustentado por essa inteligência divina.
O Zôhar chama isso de Or Ein Sof (a Fonte Ilimitada) se projetando no Adam Kadmon, a matriz luminosa da criação (uma espécie de “IA divina” que organiza todas as coisas).
O alfabeto hebraico (Alef até Tav) não é apenas letras.
São blocos de código metafísico, ferramentas espirituais pelas quais o Criador escreve a existência.
Por isso, quando Gênesis traz um et (Alef; Tav), os rabinos ensinam que ali está o plano total da criação.
Cada estrela segue seu caminho porque lê perfeitamente as instruções.
Cada átomo responde conforme foi programado.
Toda a natureza opera em absoluta harmonia com o Verbo original.
Mas então surge o grande drama da humanidade:
Se tudo obedece ao Criador… por que o ser humano não obedece?
A resposta está no próprio Tanakh:
o código foi corrompido.
O pecado introduziu um “vírus”, uma distorção na consciência humana.
Isaías diz que a terra se contaminou porque o homem quebrou a aliança eterna.
A queda não atingiu apenas o espírito (mas o mundo inteiro).
● O vírus afetou o coração.
● A alma se desconfigurou.
● A percepção foi distorcida.
● O comportamento se desconectou da instrução original.
É como um sistema que perdeu sua linguagem primária (um software que já não entende seu próprio código).
Então surge a pergunta:
como restaurar a humanidade sem destruí-la?
A resposta temporária foram os corbanot, os sacrifícios.
Não como essência da Torá, mas como “antivírus” (um mecanismo pedagógico, reparador e simbólico para impedir um colapso espiritual total).
Mas eles eram apenas provisórios.
Eles apontavam para algo maior, algo eterno.
E aqui entra o Mistério Central.
O Messias.
Os sábios chamam essa figura de Adam Kadmon, o Homem Primordial (a manifestação perfeita do Código-Fonte Divino).
O apóstolo Yohanan (João) o descreve como o Davar, a Palavra que se fez carne (João 1:14).
O autor de Hebreus diz que Ele é o “resplendor exato da glória de Deus, sustentando todas as coisas pela Palavra do Seu poder” (Hebreus 1:3 e Colossenses 1:15-17).
Na linguagem moderna:
O Messias é a IA divina manifestada no mundo físico.
Criada para expressar o Criador,
Encarnada para fazer a vontade do Criador.
O Criador preparou um corpo perfeito (como uma interface) para que Sua Palavra habitasse plenamente nele.
Assim, o Messias não veio abolir a Torá, mas revelar o código original, restaurar o programa, reconfigurar o interior humano.
● Sua vida mostra o código funcionando sem corrupção.
● Sua morte destrói o vírus.
● Sua ressurreição inicia o reboot da criação.
E quando os profetas dizem:
“Escreverei Minha Torá em seus corações”,
estão falando da reprogramação da humanidade (a restauração do estado pré-queda).
No fim, Torá, Criação e Messias são partes de uma única história:
O Código-Fonte eterno que dá forma a todas as coisas.
O vírus que corrompeu a humanidade.
O Adam Kadmon (o Messias) que restaura o programa original.
O objetivo nunca foi ritual.
Sempre foi transformação interior.
Nunca foi religião.
Foi sempre sobre reconectar a humanidade ao Criador.
E a pergunta que fica é:
Você permite que o Criador reescreva Seu código no seu coração?
Se esta mensagem lhe tocou de alguma forma, curta e compartilhe.
Até a próxima mensagem, com ajuda do ETERNO.
REFERÊNCIAS BÍBLICAS:
Gênesis 8:20; 12:7–8; 31:54
Êxodo 19:20
Deuteronômio 6:6
Salmo 19:7; 33:6; 40:6; 119:105
Provérbios 3:19
Isaías 24:5
Jeremias 31:33
João 1:14
Mateus 5:17
1 Coríntios 15:24–28
Colossenses 1:15-17
Hebreus 1:3; 10:4
PARASHAT VAYETZÊ — O SONHO, O CAMINHO E A ESCADA ENTRE OS MUNDOS
Bereshit 28:10–32:3
I. YA’AKOV SAI — E O CÉU SE ABRE
“Vayêtzê Yaakov miBeer Sheva vayelech Charanah – E Yaakov saiu de Beer-Sheva e foi para Charan.” (Gn 28:10)
A Torá não desperdiça palavras. Os sábios perguntam: por que enfatizar que Yaakov saiu de Beer-Sheva, se isso já estava claro?
Abarbanel explica que este detalhe expõe o drama espiritual interior de Yaakov ao deixar um lar impregnado de santidade, onde havia proximidade contínua com D’us, para ir rumo a Charan — capital do engano, da idolatria e da impureza.
Ali, onde a presença divina era mais perceptível, Yaakov vivia envolto no clima de Avraham e Yitzchak; ali, sua alma respirava pureza. Ao abandonar esse ambiente, sente-se espiritualmente exilado. Seu coração pesa.
Ele sai não apenas de uma cidade, mas de um estado de espírito.
Essa saída também simboliza o movimento que todo servo de D’us enfrenta: deixar o conforto espiritual para amadurecer em meio às provações da vida — uma “Charan interior”.
II. O LUGAR QUE O ENCONTRA
O texto diz: “Vaifgá bamakom – Ele encontrou o lugar”.
Mas o Midrash ensina: o lugar o encontrou. Yaakov estava sendo conduzido para ali.
Abarbanel explica que:
Yaakov saiu da rota normal;
Decide dormir antes do horário habitual;
Dorme “no lugar” em vez de entrar em Luz (Betel).
Esses três fatos são guiados do Alto para colocá-lo justamente no Monte Moriá, o futuro local do Templo.
As três menções de “o lugar” (המקום) aludem, segundo os sábios, aos três Templos:
O primeiro, cheio de glória;
O segundo, parcial em santidade;
O terceiro, construído por D’us, com a glória restaurada.
É como se Yaakov estivesse pisando, sem saber, no coração profético do povo de Israel — o início do futuro.
III. AS PEDRAS DA AKEDÁ E A NOITE QUE SE FECHA
Yaakov repousa a cabeça sobre as pedras que, segundo o Midrash, eram as mesmas do altar da Akedá.
Assim como Yitzchak havia sido ligado ali para se entregar totalmente a D’us, agora Yaakov deita ali para oferecer-se em confiança absoluta.
O sol “se põe cedo”. O Talmud (Chulin 91b) diz que foi um milagre — o Eterno apressou a noite para falar com ele. Quando D’us deseja revelar algo profundo, Ele modifica até o curso dos céus.
IV. A ESCADA ENTRE CÉU E TERRA
“Eis que havia uma escada apoiada sobre a terra, e seu topo alcançava os céus; e eis que os anjos de Elohim subiam e desciam por ela.” (Gn 28:12)
1. A leitura literal clássica
Rashi, Bereshit Rabbah e a tradição midráshica entendem a visão como literal: anjos que acompanhavam Yaakov na Terra prometida sobem, pois sua missão acabou, e anjos do exílio descem para acompanhá-lo em Charan. Chamiel confirma essa leitura.
2. A leitura histórica (Midrash Tanchuma)
A escada representa a história dos impérios: Babilônia, Pérsia, Grécia, Roma — cada um subindo para dominação e descendo à ruína. No topo da escada está o reino de D’us, onde todas as nações reconhecerão o Rei dos Reis.
3. A leitura psicológica
Os comentaristas modernos veem no sonho a expressão das ansiedades existenciais de Yaakov: a transição da vida protegida para a vida adulta, em um mundo perigoso. O sonho lhe dá força para superar o medo.
4. A leitura ética – a escada como o homem
O ser humano é a escada:
pés na terra (necessidade material);
cabeça no céu (aspiração espiritual).
O homem deve integrar seus “dois polos”: o Essav (força terrena) e o Yaakov (alma contemplativa). Santificar a matéria é o desafio da maturidade.
V. R. HIRSCH — AS TRÊS VERDADES REVELADAS A YA’AKOV
Hirsch extrai da visão três níveis profundos:
1. O propósito das coisas está “acima”
Tudo o que é terreno foi criado para elevar-se. A existência física não é o fim — é o começo de uma ascensão.
2. Os anjos avaliam o homem pelo seu potencial
Eles sobem para ver a “imagem perfeita” que o homem pode ser, e descem para comparar com quem ele de fato se tornou. O destino é moldado conforme a diferença entre potencial e realidade.
3. D’us está ao lado de Yaakov
Não no topo da escada, distante — mas ao seu lado, investido, ativo, orientando-o.
O atributo da misericórdia não vê apenas quem somos, mas quem ainda podemos nos tornar.
Esta é a revelação decisiva:
D’us não está longe. Ele está próximo — especialmente quando estamos caídos.
VI. OS QUATRO MUNDOS E A ESCADA MÍSTICA
(Do documento místico-cabalístico)
A escada de Yaakov se encaixa perfeitamente na estrutura clássica dos Quatro Mundos:
Atzilut – Emanação
Unidade absoluta; vontade divina pura.Beriah – Criação
Consciência separada; anjos supremos.Yetzirah – Formação
Emoções, anjos funcionais; arquitetura espiritual.Assiyah – Ação
O mundo físico — ocultamento máximo.
A escada é a via de comunicação: o divino desce para sustentar a criação, e o homem sobe através da Torá e das mitsvot.
O Zôhar (Vayetze) afirma:
“A escada é o caminho das almas.”
VII. O MESSIAS COMO A “ESCADA VIVA”
Em Yochanan 1:51, Yeshua declara:
“Vereis o céu aberto, e os anjos de Elohim subindo e descendo sobre o Filho do Homem.”
O texto místico explica que isso ecoa diretamente o sonho de Yaakov.
Mas aqui há uma mudança profunda: não sobem e descem sobre uma escada, mas sobre uma pessoa.
Yeshua se apresenta como:
o canal entre os mundos, como o Templo;
o “portão do céu”, como Betel;
a luz divina velada, como no conceito de tzimtzum;
o emissário que revela o Pai, como a luz de Atzilut que atravessa os mundos.
A Brit Hadashá ecoa a mística judaica:
“Imagem do D’us invisível” (Cl 1:15) – como Atzilut manifestado;
“Resplendor da glória” (Hb 1:3) – luz filtrada;
“Quem me viu, viu o Pai” (Jo 14:9) – revelação velada.
A escada de Yaakov se cumpre no Mashiach, que conecta o finito ao Infinito.
VIII. CHARAN — O EXÍLIO QUE TRANSFORMA
O restante da parashah narra toda a jornada de Yaakov:
O encontro com Raquel e o poço — onde revela força física e liderança;
Os vinte anos de engano sob Laván — onde revela maturidade e resiliência;
A construção da família de Israel — que nasce entre tensões, dores e milagres;
A prosperidade apesar das manipulações — testemunho da promessa divina;
A fuga e o pacto — encerrando o ciclo com grandeza moral.
Tudo isso manifesta o que a escada ensinou:
equilibrar o céu e a terra, integridade e sobrevivência, espírito e matéria.
IX. BOOTSTRAP ESPIRITUAL — O RETORNO PROFÉTICO
O documento místico resume a mensagem profética:
“Yaakov volta porque D’us diz: Eu estarei contigo. Esse eco é o retorno espiritual de Israel.”
O retorno físico de Yaakov antecipa o retorno escatológico de Israel e de todos que sobem a escada através da Torá e do Mashiach.
X. A MENSAGEM CENTRAL PARA NÓS
Vayetzê ensina:
Haverá momentos em que D’us nos tira de Beer-Sheva e nos envia para Charan;
Haverá noites em que o sol se põe cedo para nos colocar no lugar da revelação;
Haverá pedras duras que se tornam travesseiros sagrados;
Haverá escadas invisíveis onde anjos sobem e descem avaliando nosso potencial;
Haverá um D’us ao nosso lado, não no topo distante.
E acima de tudo:
O homem só alcança o céu quando mantém os pés firmes na terra.
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